O Mirante - Entrevista a Carlos Empis

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DCP
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O Mirante - Entrevista a Carlos Empis

#1 Mensagem por DCP » sábado out 03, 2009 12:50 pm

O Mirante - Edição de 13-08-2009
http://semanal.omirante.pt/index.asp?id ... on=noticia
O Mirante - Edição de 13-08-2009 Escreveu:Carlos Empis já fez de tudo um pouco no mundo da tauromaquia
“As pessoas não têm paciência para corridas de toiros que demoram três horas”


Foi forcado e cabo dos Amadores de Santarém. Foi bandarilheiro, cavaleiro praticante, apoderado de vários toureiros como João Moura, e até exerceu funções de director de corrida. Carlos Empis dá agora mais tempo à agricultura que é a outra sua paixão, mas continua a viver a tourada com emoção. Tem coração ribatejano. Vive em Santarém e tem raízes na Chamusca e em Valada.

O seu avô foi um dos principais impulsionadores da construção da praça de Toiros da Chamusca. Não tem pena que este e os outros recintos tauromáquicos não tenham a rentabilização que deviam ter?

Tenho imensa pena que não se realizem lá mais espectáculos mas já fui empresário tauromáquico e sei que nem sempre é fácil ter muitas corridas numa praça, por falta de público. E o problema não é só da tauromaquia. As pessoas têm hoje em dia muitos atractivos, muitas ofertas e muitas perto umas das outras.

O regulamento das corridas de toiros não está já desfasado da realidade, ao continuar a permitir determinados cerimoniais que prolongam os espectáculos por vezes por mais de três horas?

As pessoas já não têm paciência nem condições de comodidade para um espectáculo com uma duração tão grande. Sou um grande lutador para que se acabem com os tempos mortos nas corridas de toiros. O tempo ideal deveria de ser, no máximo, duas horas.

O que é preciso mudar?

Desde as cortesias a uma série de cerimónias. Como aquela em que o bandarilheiro leva a farpa para o toureiro começar a lide. Depois há as voltas à arena. Todos os toureiros dão a volta à arena no final da lide estejam bem ou mal. É uma perda de tempo.

Então porque é que não se mudam estas situações?

Por inoperância de todos os agentes do sector. Um toureiro que não esteve bem na lide não deve dar a volta, mas quem é que lhe vai dizer isso? Não há nenhum espectáculo que demore tanto tempo e que tenha tantos tempos mortos. Há que impor limites.

É uma questão de vaidade dos toureiros?

Considera-se que quem não dá a volta à arena esteve mal e ninguém quer ficar com essa imagem.

Já foi forcado, empresário, apoderado, cavaleiro… em que área é que se sentia mais confortável?

Todas as funções que tive foram emocionantes. Se calhar a menos exigente terá sido a de bandarilheiro porque estamos ali para ajudar o cabeça de cartaz que é o cavaleiro e não devemos dar nas vistas.

Enfrentar um toiro a pé como forcado ou em cima de um cavalo é diferente?

A noção da responsabilidade também é diferente. Quando somos novos e temos pouca noção da realidade é tudo mais fácil. Não temos a noção da responsabilidade para com o público e para com o toiro.

O que é que melhor recorda do tempo em que foi forcado?

A amizade que foi construída e que tem durado até aos dias de hoje. Posso dizer que os meus grandes amigos foram forcados comigo.

Essa camaradagem continua a existir actualmente?

Tenho um filho que foi forcado e pelo que percebi o espírito era o mesmo. O que houve foi um alargamento do número de grupos de forcados. E isso criou mais concorrência entre grupos, mas penso que no essencial o espírito do forcado se mantém. É impossível enfrentar um touro sem união, cumplicidade e grande amizade entre todos.

Mas as pessoas são diferentes umas das outras e nem sempre convivem no seu dia-a-dia.

Numa família podem dar-se todos bem o que não quer dizer que não existam divergências entre os seus membros. Nos forcados a situação é igual. Não podemos ser hipócritas ao ponto de dizer que não há divergências, que não há miúdos a portarem-se mal, mas isso toda a vida houve.

Os pais dos forcados têm alguma influência?

Há uma expressão popular que diz que “pior que pé de atleta é pai de atleta”, neste caso pai de toureiro. Nós vemos sempre os nossos filhos como os melhores e às vezes não é assim, o que é normal. Às vezes os pais são capazes de dizer e fazer coisas que não são racionais. E essas situações podem estragar o espírito de grupo.

Ficou conhecido pelas pegas de cernelha que hoje caíram em desuso e são desvalorizadas.

Para mim é uma pega igual à de caras em termos de valor. Há uma coisa nos forcados de cernelha que é tramada. Enquanto na pega de caras o toiro vem direito ao forcado e ele já não pode fugir, o de cernelha tem que ter a iniciativa de ir ao encontro do toiro e quando não estamos bem psicologicamente parece que o toiro tem um repelente e o público nota isso com facilidade.

Um forcado de cernelha tem que ter mais coragem?

Não é uma questão de coragem. Não há ninguém que não tenha medo.

Porque é que agora só são feitas cernelhas como último recurso?

Penso que terá sido por causa do tempo que demorava.

Como espectador gosta mais de ver uma pega de caras ou de cernelha?

Gosto de ver uma boa pega.

O público vai às corridas para ver uma pega boa ou para ver o forcado levar porrada?

Há uma coisa que não percebo no público das corridas hoje em dia. Quando um toureiro faz uma boa actuação tem as palmas, quando está mal recebe assobios. Com os forcados isso não acontece. O forcado esteve mal mas como faz mais uma tentativa tem direito a palmas. Antigamente não era assim.

É para dar alento?

Acho que se generalizaram os aplausos. Banalizou o bater palmas. É por tudo e por nada. Há pouco tempo fui a uma corrida em que até os funcionários que entravam para alisar a arena levavam palmas.

Foi cavaleiro praticante, porque é que não chegou a profissional?

Porque tinha a noção que não iria muito longe como cavaleiro. Tinha jeito mas não era para ser primeira figura e preferia ser bom numa coisa que mais um em outra.

Defende a tauromaquia mais técnica, para elites, ou uma tauromaquia mais para o espectáculo, para a diversão do público que não percebe os termos da festa?

A minha experiência diz-me que tudo o que é bom é sentido pelo público. Mas acho que faz falta mais festa nas corridas até porque a maioria das pessoas vai para se divertir, para uma festa, e essa componente é essencial. Quando fui apoderado sempre incuti essa necessidade nos toureiros que representava. E se essa parte do espectáculo for com verdade é o ideal.

Mas isso às vezes não acontece, é mais espectáculo apalhaçado que espectáculo festa…

Exactamente. E não é pela palhaçada que pugno. E não tenho dúvida que a qualidade vem sempre ao de cima.

Enquanto foi apoderado sentiu dificuldades em impor os seus toureiros?

É um mundo igual ao mundo comercial. Os interesses são muitos e alguns não estão à vista. Quando alguém contrata um toureiro e não outro está a tirar rendimentos a um deles.

Porque é que têm aparecido mais toureiros agora? É chique ser toureiro?

Sempre foi (risos). Sempre houve uma certa mística. É uma actividade que dá visibilidade.

Há quem veja os toureiros como pessoas falidas mas que gostam de ostentar e de ter nome.

Não vejo isso nessa perspectiva.

O que é que os toiros lhe ensinaram?

Os toiros ensinaram-me a vencer o medo. A ter medo e a vencê-lo. A descontrair perante o nervosismo. Fizeram-me ter a noção da prudência e das distâncias. Ensinaram-me a cair e sobretudo a levantar-me firme na determinação. Ensinaram-me a ter a noção da modéstia; das minhas forças e dos meus conhecimentos. Ensinaram-me a ter paixão de correr riscos e a saber auto-dominar-me. Os toiros ensinaram-me a ter coração.

Faz falta mais festa nas corridas até porque a maioria das pessoas vai para se divertir, para uma festa, e essa componente é essencial.

Faltou quem prosseguisse com a Feira do Toiro

Esteve envolvido na organização da feira do toiro em Santarém, como é que conseguiram que fosse um sucesso?

Não ganhámos um tostão com a organização da feira. Foi simples carolice. Nunca deu prejuízo. Ir pedir a alguém para actuar na feira do toiro de borla e os organizadores estarem a ganhar com isso não era justo. Não havendo a finalidade do lucro era mais fácil ir pedir.

E porque é que deixou a organização e a feira acabou?

Nós propusemo-nos a organizar uma feira e fizemos três. Tínhamos a nossa vida particular e perdíamos dias e meses da nossa vida pessoal, de lazer, e tínhamos prejuízos. Acabou o nosso prazo e agora que venham outros.

Mas parece que não há outros…

Tivemos a ideia. Abrimos a porta. Agora é mais fácil seguir o modelo. A câmara municipal tinha interesse em continuar e o CNEMA também, mas faltou alguém para dar continuidade ao projecto.

A câmara e o CNEMA tinham grandes responsabilidades na continuidade da feira.

Na altura foi ponto assente que não entrava política na organização, se não puséssemos a política de parte matávamos logo de início a feira com politiquices.

Dedica-se à agricultura, é mais fácil que a tauromaquia?

A agricultura é uma área emocionante que nos ensina muito por ser imprevisível. Ensina-nos a enfrentar as dificuldades da vida.

Há uma ideia generalizada que os agricultores são subsídio-dependentes.

Mas os agricultores têm missões importantes como zelar pelo meio ambiente e pela produção. Somos uns zeladores que recebemos indemnizações compensatórias, não são subsídios e para isso temos que cumprir obrigações. Somos pagos para não haver desertificação do mundo rural.

Está solidário com a CAP nas críticas que faz ao ministro da Agricultura?

Com algumas estou mais, com outras menos.

A direcção da CAP que também é a do CNEMA fez bem em não convidar o ministro para a Feira Nacional de Agricultura?

O ministro também tem sido tudo menos ministro dos agricultores. Por isso não faz falta nenhuma. Nunca tivemos um ministro da Agricultura tão mau.

Já andou no mundo da política?

Nessa área já fiz a minha parte. Fui secretário da Junta de Freguesia de Abrã (Santarém) como independente eleito pelo PSD.

Revê-se na gestão do actual presidente da Câmara de Santarém?

Há coisas com as quais não concordo. Mas pelo menos criou polémica e tem projectado a cidade no país. Se tudo é bom, a história é que o vai dizer.

Vivemos em democracia e há direito à crítica

Tem aumentado a contestação às touradas.

Há dias numa corrida no Campo Pequeno estavam uns 15 miúdos a fazerem uma manifestação acompanhados por vários polícias, que nem precisavam lá estar porque ninguém lhes fazia mal.

Está a tentar desvalorizar as manifestações anti-tourada?

As pessoas têm direito a manifestarem-se. Desde que se manifestem civilizadamente não vejo nenhum mal. Vivemos em democracia, graças a Deus, e cada um tem direito a manifestar a sua opinião desde que não ofenda.

Uma corrida é um espectáculo caro.

Um bilhete para ir ver o futebol também não é barato. E veja-se que em Espanha esta actividade tem um peso grande na economia e em França há mais espectáculos tauromáquicos que em Portugal.

Então as nossas praças estão subexploradas, subaproveitadas?

As praças devem ser aproveitadas para outras actividades. O ideal era haver mais corridas, não sei é se o público aguenta.

O público de Vila Franca de Xira é o mais complicado do país

Qual é a razão para que uma praça como a de Vila Franca de Xira, considerada como uma das capitais taurinas, raramente encha?

Vila Franca tem um público muito estranho. Talvez o mais complicado que existe no país.

Complicado em que aspecto?

O concelho passou a ser um dormitório e deixou de ter uma identidade muito própria como tinha antigamente. Essa modificação teve reflexos na praça de toiros. Antigamente a praça tinha muito mais ligação à população e vice-versa.

Mas parece que há muitos aficionados na cidade.

Não há uma ligação efectiva entre a tauromaquia e a população, mas as pessoas dizem que são aficionadas e que são taurinas apenas porque moram em Vila Franca de Xira.

As festas do Colete Encarnado têm sempre muita gente. Quer dizer que estes não são aficionados?

Trata-se de uma actividade completamente diferente das corridas de toiros. Há um tempo deram lá um espectáculo tauromáquico à porta aberta e não tinha muita gente. As pessoas que se dizem aficionadas afinal não o são.

Podem haver actividades à volta da tauromaquia que podem ser aproveitadas empresarialmente?

Os franceses são especialistas nessa matéria. Isso não me parece que esteja nas mãos do empresário tauromáquico mas mais no criador de toiros. Pode haver uma actividade turística ligada ao toiro.

Porque é que esse potencial não tem sido devidamente aproveitado?

Se calhar se fosse uma actividade muito lucrativa não acredito que não houvesse mais pessoas a explorá-la.
"Não há grandeza onde não há verdade"

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