Jornal Olé - sai ás quartas (Edições 2009)
Enviado: quinta out 08, 2009 1:55 am
No momento em que escrevo estas linhas, estará o matador de toiros José Júlio metendo-se dentro do seu fato de tourear para, aos 74 anos, ir participar na corrida que assinala o seu meio século de alternativa.
Este José Júlio, com a sua fibra e o seu génio, recusa ser espectador de bancada, enquanto os seus colegas jogam com os toiros na arena da sua Palha Blanco e precisamente numa data que lhe é dedicada.
Peço aos meus santos protectores para que olhem por ele, porque isto é um caso. Mais uma vez o veterano matador se esquece dos anos, das suas maltratadas pernas cosidas a cornadas, do tempo e da vida que já leva, para com o brilho dos seus olhos ver um toiro a investir-lhe no capote e na muleta.
José Júlio desafia a sorte e o tempo. Como o fez em toda a vida. Confiado nas suas capacidades e na sua arte que o fizeram toureiro, quando o caminho para os tentaderos era feito a pé, à procura de uma rara oportunidade, num tempo em que "o vício" se matava de forma furtiva, em um ou outro animal bravo e tendo por espectadores apenas a imagem recortada do campo, ou outros aventureiros como ele. José Júlio teve o mundo aficionado a seus pés, quando os senhores usavam chapéus e andavam em carros grandes. Como artista e boémio que foi, o de Vila Franca foi dono de Lisboa e dos melhores salões da sociedade dominante. Fez a vida como a pretendeu viver e nunca se queixou por isso. O seu capote tinha o duende mágico do recorte sevilhano, inspirado nas margens do Guadalquivir, mas as suas bandarilhas tinham o poder do Tejo imenso, que o viu nascer. José Júlio sempre foi o do tudo ou nada. Jogando a pele e arriscando, como se em cada tarde estivesse a tourear o último toiro da sua vida.
Vila Franca, tantas vezes acusada de ser injusta - e algumas vezes sem razão - quis dar ao seu velho matador o cenário certo para assinalar estes 50 anos. Uma praça, uma corrida e com ele dentro.
E amanhã, precisamente na véspera do dia em que este jornal chega às vossas mãos, outro artista, outro toureiro, Vasco Dotti, diz adeus às arenas e transmite a outro companheiro a jaqueta de cabo do grupo de forcados de Vila Franca.
Vasco Dotti é um forcado que assinala uma geração de grandes pegadores de toiros, Mas é também o condutor de homens, a quem o grupo muito fica a dever. Elevou o grupo que agora deixa a um nível invejável, entre os melhores que temos, promoveu com todo o brilhantismo as comemorações dos 75 anos do grupo e foi sempre o homem de consensos e trato afável, com dignidade e senhorio.
José Júlio e Vasco Dotti ficarão para sempre ligados a este Outubro do ano de 2009. Um pelos 50 anos dessa data histórica de Saragoza onde, no dia 11 do ano de 1959 lidou o seu primeiro toiro da ganadaria de Pio Tebernero como profissional, e o segundo porque, por decisão própria, termina uma carreira longa e brilhante, na arte de pegar toiros.
Se Vila Franca tem sobrados e justificados motivos por se sentir orgulhosa destes seus filhos, os aficionados portugueses estarão agradecidos a ambos, pelo que nos deram, pelo que foram e pelos momentos de arte, aficion e toreria que bordaram nas arenas de todo o mundo.
Por: Francisco Morgado
(Director)